Contatos imediatos do além

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Marcelo Araújo 

Você pode não acreditar em fantasmas, demônios ou espíritos. Mas se aprecia histórias sobrenaturais vai gostar do livro Ed & Lorraine Warren – Demonologistas, de Gerald Brittle, que a Darkside lançou recentemente no Brasil. A publicação, originalmente editada em 1980, reúne investigações do casal norte-americano, que se especializou no estudo de fenômenos paranormais por cerca de seis décadas.

Ed e Lorraine Warren tiveram seus nomes consagrados para os fãs do gênero de horror com o filme Invocação do Mal (The Conjuring), de 2013, que revive um dos casos mais famosos envolvendo a dupla. No cinema, foram interpretados por Patrick Wilson e Vera Farmiga. A película mostra uma família americana às voltas com assombrações na velha casa onde vai  morar. Outras obras cinematográficas, novas e antigas, relatam fatos estudados pelos Warren, como a boneca Annabelle, Invocação do Mal 2 e Horror em Amityville.

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O casal americano de demonologistas Ed e Lorraine Warren

Edward (1926-2006) e Lorraine Warren (1927) começaram a lidar com esse tipo de incidente a partir da década de 40 e não conseguiram mais parar, sempre solicitados por uma legião de pessoas que se diziam atormentadas por seres de outro mundo. No total, analisaram mais de 10 mil casos. Objetos relacionados a essas ocorrências e coletados pelos Warren fazem parte do Museu Oculto, localizado na residência deles, na cidade de Monroe, no estado de Connecticut. Entre as peças, a boneca de pano Annabelle. Ali, visitantes são aconselhados a não tocar em nada, sob o risco de atraírem para si alguma força sobrenatural.

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Cartaz do filme Invocação do Mal

Ed serviu na Marinha durante a Segunda Guerra Mundial e trabalhou na polícia. Especializou-se em demonologia – estudo dos demônios – de forma autodidata. Já Lorraine é médium e clarividente. Os dois viraram conferencistas e apresentaram palestras falando de suas experiências com o além.

Nos eventos macabros em que intercediam, utilizavam o conhecimento adquirido para enfrentar possessões, poltergeists e demais sintomas da presença de entidades. Em muitas situações, contavam com a ajuda de padres e outros religiosos para apoio em ações como exorcismo.

O autor Gerald Brittle narra com minúcia em mais de 260 páginas alguns casos com os quais Ed e Lorraine se envolveram. Junto com as histórias vêm lições do casal sobre como evitar chamar espíritos malignos. Segundo eles, brincar com as famosas tábuas ouija funciona como imã para convocar demônios e afins. Os Warren explicam que locais onde aconteceram assassinatos ou homicídios constituem ótimas hospedarias para assombrações.

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A boneca Annabelle

O casal costumava a falar que os entes das trevas se valiam de artifícios para conquistar e sensibilizar os humanos, para, em seguida, tentar destruí-los. A exemplo dos clássicos contos de vampiros, várias das entidades com as quais Ed e Lorraine mantiveram contato eram convidadas ingenuamente pelas pessoas a entrarem em seus cotidianos.

De acordo com o que escreve Gerald Brittle, o caso Annabelle apresentava esse perfil. Duas jovens que moravam juntas acreditavam ter se comunicado com o fantasma de uma criança, que pediu a elas para viver em seu apartamento, dentro da boneca. Com pena, consentiram. Na verdade, ao permitirem a estadia desse visitante abriram a porta do seu lar para um ser inumano, que passou a aterrorizá-las. Os Warren identificaram o problema e convocaram um padre para benzer o lugar. Depois, levaram Annabelle embora para o Museu Oculto.

Situação semelhante se deu com os Beckford, quando a filha Vicky usou o tabuleiro ouija para conversar com o que seria a alma de um jovem semelhante a ela. Pelo que nos informa Brittle, este foi o disfarce de um espírito do mal que, depois, passou meses ameaçando e agredindo a família. Barulhos nas paredes e no telhado, vozes, móveis voando para todos os lados e a aparição de uma figura sinistra faziam parte do conjunto de manifestações. Segundo o livro, houve muitos esforços para, após meses, os Warren devolverem a paz aos Beckford.

Todas essas crônicas sobrenaturais têm tudo para prender a atenção de apreciadores de histórias de fantasmas – reais ou fictícias. O detalhe é que vêm acompanhadas de explicações dos fatos por quem alega tê-los experimentado. Leia e tire suas conclusões.

 

 

 

Liberdade à custa de sangue

Imagens: divulgação

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Marcelo Araújo 

Um dos episódios marcantes da 2ª Guerra Mundial foi o atentado, em 1942, ao militar alemão Reinhard Heydrich, um dos arquitetos do Holocausto e chefão das forças nazistas na ocupação da antiga Checoslováquia. O ataque resultou, uma semana depois, na morte do comandante, em um hospital, por conta dos ferimentos sofridos. Trata-se do único caso bem-sucedido de assassinato planejado de um líder nazista poderoso na Segunda Guerra.

A história do ocorrido está no recente filme Anthropoid, produção do Reino Unido, França e República Checa inspirada na operação de mesmo nome. O inglês Sean Ellis assina a direção.

Como destaque no elenco, os atores irlandeses Cillian Murphy e Jamie Dornan. Eles interpretam, respectivamente, Jozef Gabčík e Jan Kubiš, dois agentes enviados pelo governo no exílio para executar Heydrich, em Praga.

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O ator irlandês Cillian Murphy interpreta um agente checo 

Antes de porem o plano em prática, fazem contato com a resistência checoslovaca, cujos líderes, inicialmente, consideram a ideia do atentado loucura. Na visão deles, caso o propósito alcançasse êxito, os alemães poderiam, em represália, matar milhares de cidadãos do país invadido. Apesar das objeções, põem o projeto em prática.

Com a ajuda de duas mulheres, de uma família que os hospeda e dos membros da resistência, Jozef e Jan planejam os detalhes do assassinato, que inclui a distribuição de cápsulas com veneno aos participantes da Anthropoid, a fim de impedir a captura. Todos sabem que se caírem nas mãos dos nazistas enfrentarão impiedosas sessões de tortura para contarem o que sabem e entregarem seus companheiros.

Foto: reprodução 

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O verdadeiro Reinhard Heydrich 

O dia tão esperado chega. Porém, nem tudo sai como se definiu. Reinhard não morre na hora da emboscada. Segue-se uma perseguição pelas ruas de Praga com o massacre de civis inocentes. Conforme se temia, como retaliação à morte de seu comandante, os nazistas tiraram a vida de aproximadamente 15 mil checos e eslovacos. Para ficarmos em apenas um caso, a vila de Lidice foi destruída pelos opressores, que exterminaram todos os homens com mais de 16 anos de idade. As crianças, por sua vez, pereceram em câmaras de gás e as mulheres seguiram para campos de concentração.

O filme de Sean Ellis consegue transmitir o clima de terror existente na antiga Checoslováquia e nos demais territórios ocupados durante a Segunda Guerra. A banalização da violência, com mortes perpetradas pelos motivos mais fúteis, era característica cruel dos nazistas.

Anthropoid se constrói na tensão. Não há um minuto em que se respire com tranquilidade nas duas horas desta película. Nem mesmo a aparente frieza do herói vivido pelo ótimo Cillian Murphy passa real serenidade. No fundo dos seus olhos, se vê a tristeza e o pavor da tragédia que, inevitavelmente, virá. O combatente sabe que o sonho de liberdade se banhará em sangue para se tornar real.

Obviamente, temos cá as cenas de combates e tiros, mas um bom filme de guerra não pode se restringir a isso. Do contrário, vira uma aventura do Rambo de Stallone, do guerreiro que vai ao combate como se fosse à Disneylândia, sem passar qualquer reflexão ou emoção sobre os horrores reais do front. Anthropoid é magistral.

Pena que mais de 70 anos após o fim da Segunda Guerra não se tenha aprendido tanto sobre os efeitos devastadores desse tipo de conflito. Que a arte nos permita pensar um pouco mais.

 

 

 

 

King dá dicas a quem quer escrever

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Marcelo Araújo 

Não sou expert na obra do  americano Stephen King. Li e gostei de O Iluminado, Carrie e acho que outros dois volumes. Sou mais próximo dele pelas inúmeras adaptações cinematográficas do que dos textos. De qualquer forma, tive prazer em conhecer recentemente Sobre a Escrita – A Arte em Memórias, em uma edição de 2013, atualizada, da Suma de Letras. Na publicação, o autor fala da sua biografia, da trajetória literária e apresenta sugestões àqueles que pretendem virar escritores.

Stephen King dedica fração do livro para falar de questões pessoais, que, obviamente, não se dissociam das artísticas. Resgata a infância, a adolescência, o casamento com Tabitha King (também autora), a família e o vício em álcool e drogas que enfrentou durante anos. Consumidor de quantidades cavalares de bebida, cocaína e outros bagulhos, o norte-americano admite não se lembrar de como produziu certo material de tão chapado que estava.

Ler e escrever

Loucuras à parte, bom mesmo é conhecer detalhes sobre o ofício da escrita de um dos nomes mais populares das letras internacionais. King vive muito bem de suas criações desde a primeira metade dos anos 70. Evidentemente, cada um tem seu método de trabalho e estilo, mas existem premissas a se seguir para exercer a atividade. Stephen coloca a principal delas muito bem: “Se você quer ser escritor, existem duas coisas a fazer, acima de todas as outras: ler muito e escrever muito. Que eu saiba, não há como fugir dessas duas coisas, não há atalho”.

No que diz respeito à leitura, o ficcionista declara que o faz por prazer, pelo gosto por histórias, e não para estudar processos artísticos. Mesmo assim, observa que a leitura traz aprendizado. “Cada livro que se pega para ler tem uma ou várias lições, e geralmente os livros ruins têm mais a ensinar do que os bons”, aponta. Mais adiante, complementa: “Aprendemos mais sobre o que não se deve fazer quando lemos uma prosa ruim”.

Veracidade

A respeito da escrita, Stephen King destaca a relevância de elementos como a narração elegante, o desenvolvimento do enredo e a criação de personagens críveis. Ele enfatiza o valor de se “falar a verdade” em um texto. Na sua visão, a formação necessária de um escritor passa pela combinação de uma grande história com uma grande escrita.

Sobre o estilo, comenta que não aprecia textos muito descritivos, que, em sua opinião, podem “enterrar” imagens e detalhes. “Para mim, a boa descrição consiste em apenas alguns detalhes bem-escolhidos que vão falar por todo o resto”, assinala.

Outro ponto fundamental abordado pelo criador de O Iluminado ressalta o peso que os diálogos possuem na ficção. Stephen enaltece a veracidade nas falas e o manejo das palavras, para que o resultado não soe artificial, dando exemplos bem convincentes. “Nunca uma criança correu para a mãe para dizer que a irmãzinha defecou na banheira”, demonstra. Ou: “Se você trocar merda por droga por se preocupar com a Legião da Decência, estará rompendo o contrato tácito que existe entre o escritor e o leitor – a promessa de dizer a verdade sobre as ações e falas das pessoas por meio de uma história ficcional”.

Há outros aspectos da carreira de escritor tratados em Sobre a Escrita, de forma leve, direta e bem humorada. Como disse anteriormente, não existe uma fórmula única para virar um autor, porém, particularmente, gosto de conhecer algo sobre o processo criativo dos artistas, por curiosidade e porque acho que posso aprender mesmo. E se você aprecia a obra de Stephen King, um dos mestres da literatura de horror contemporânea, melhor ainda.

Um ano sem o maior bad boy do rock

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Marcelo Araújo 

Há um ano, neste dia 28 de dezembro, o rock perdeu um de seus nomes emblemáticos: Lemmy Kilmister, vocalista e baixista da banda inglesa Motörhead. A voz de hinos como Ace of Spades, Killed by Death, Iron Fist, Overkill e Orgasmatron morreu dois dias após descobrir um câncer no cérebro e no pescoço e quatro depois de completar sete décadas de vida.

A morte de Lemmy me atingiu com força. Cresci ouvindo Motörhead, comprando seus discos e sentindo enorme simpatia por seu líder, figura que aparentava tremenda simplicidade fora dos palcos. Poderia tranquilamente ser um dos meus amigos com quem tomo cerveja ou escuto um som. Tive a sorte de vê-lo ao vivo em Brasília, em 2010, numa noite inesquecível e ensurdecedora.

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Lemmy e David Bowie, que morreu dias após o líder do Motörhead

Nos discos e nos palcos, nunca é demais dizer, o Motörhead desenvolveu um som rápido e pesado, tendo à frente o baixo distorcido e a voz selvagem de Kilmister. Com essa fórmula, batizada de speed metal, a trupe influenciou músicos de diversas tendências – do punk ao heavy; do hardcore ao indie rock.

A enorme repercussão da morte de Lemmy nos meios artísticos e entre os fãs demonstrou o quanto era querido. Por aqui ainda custamos a acreditar nessa fatalidade e sentimos imensamente sua falta.

 

Adeus, Princesa Leia

Fotos: divulgação

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Com o inconfundível coque no cabelo, Carrie Fisher no papel que a tornou célebre

Marcelo Araújo

Dia triste em uma galáxia distante e aqui na Terra. A atriz americana Carrie Fisher morreu nesta terça-feira (27 de dezembro), aos 60 anos. Ela estava internada desde a última sexta-feira (23), em Los Angeles, após sofrer um ataque cardíaco em um voo vindo de Londres. A atriz é famosa pelo papel da Princesa Leia na série Star Wars.

Carrie nasceu em um lar de artistas, filha da cantora e atriz Debbie Reynolds e do cantor Eddie Fisher. Seu primeiro papel no cinema foi no filme Shampoo, de 1975, uma comédia de Hal Ashby estrelada por Warren Beatty, Goldie Hawn e Julie Christie.

No ano seguinte, já estava filmando Star Wars, de George Lucas, que estreou nos cinemas do mundo inteiro em 1977. O papel da Princesa Leia na super-produção de ficção científica levou Carrie Fisher ao estrelato. Por conta do trabalho, tornou-se um dos símbolos sexuais da década de 70 e começo dos anos 80, ao lado de musas como Farrah Fawcett.

Nunca me esqueço, há quase quatro décadas, assistindo a Guerra nas Estrelas no cinema, impressionado com as naves, as espadas de luz, o sombrio Darth Vader, os monstros e, claro, com a beleza daquela nobre intergalática. Marcou minha infância.

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Ao lado de Darth Vader

Carrie ainda apareceu nas continuações de Star Wars O Império Contra-Ataca, de 1980, e O Retorno de Jedi, em 1983. Mas nem só de Princesa Leia viveu sua carreira ainda que este tipo a tenha marcado com muita força. Trabalhou em filmes como os Blues Brothers, Hannah e suas Irmãs (de Woody Allen), Austin Powers: Um Agente Nada Discreto, Pânico 3 e As Panteras Detonando, entre tantos.

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Star Wars, que tem Carrie Fisher entre os protagonistas, virou ícone da cultura pop

Retornou ao papel que a consagrou em 2015 em O Despertar da Força, sétimo filme da série Star Wars. Com uma atuação importante nesta sequência, Fisher deveria participar do Episódio VIII, com estreia prevista para 2017. Parece que sua presença na produção foi registrada e servirá como última homenagem. Só nos resta lamentar para o espaço sideral!

Uma bomba chamada John Wick

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Marcelo Araújo 

Diretores como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez criam filmes violentos que escapam da banalidade porque desenvolvem um enredo inteligente, fogem dos clichês, exploram elementos cênicos diferenciados e valorizam o visual e a trilha sonora quase como se fossem personagens. Na contramão, existem aqueles que não saem do óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues. Caso de John Wick ou de Volta ao Jogo, de 2014, estrelado por Keanu Reeves e dirigido por Chad Stahelski. Assisti a esta “maravilha” por acaso, zapeando pela TV, e confesso que há tempos não me deparava com algo tão ruim nas telas.

Reeves encarna John Wick, matador profissional, aposentado na cidade de Nova York, que vive da lembrança da esposa falecida precocemente. O assassino decide voltar à ativa depois que um playboy marginal, filho de um gangster da máfia russa, invade sua casa, rouba seu carro e mata um cão, única lembrança da mulher.

A partir daí, começa um festival de tiros, pancadas e destruição de carros entediante, nada que não se veja em filmes de Chuck Norris, Sylvester Stallone, Jean Claude Van Damme ou Arnold Schwarzenegger. Menos crível o fato de o matador receber tratamento VIP por onde passa, como celebridade, cultuado por recepcionistas de hotel, bartenders, criminosos e até pela polícia. Os diálogos, aliás, de tão simplórios, merecem um troféu abacaxi de destaque.

O diretor até que tentou estilizar esse De Volta ao Jogo, colocando na trilha sonora artistas como Marilyn Manson ou caprichando na ambientação de teor noir, mas tudo termina ofuscado pela quebradeira. Nem mesmo a presença do magnífico Willem Dafoe salva o barco do naufrágio. Seu personagem aparece pouco e com papel mal explicado.

Keanu Reeves acerta eventualmente ao participar de filmes mais sofisticados, como o recente O Demônio de Neon. E de vez em quando pega umas bombas do quilate de John Wick. Já existe uma segunda parte, porém acredito que devo passar bem longe desta sequência.

 

 

Os oprimidos se levantam

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Marcelo Araújo

O Nascimento de uma Nação, dirigido e estrelado pelo ator americano Nate Parker, é um dos melhores filmes dedicados a falar do vil e execrável regime escravocrata, grande vergonha na história da humanidade. A produção resgata a trajetória de Nat Turner, homem que liderou uma rebelião de escravos contra os brancos em 1831.

Em um ato de ironia, a obra de Nate Parker tem o mesmo título da que D.W. Griffith realizou em 1915. Mas as semelhanças param aí. Inegavelmente revolucionário do ponto de vista da linguagem cinematográfica, O Nascimento de uma Nação de Griffith calcava seu enredo no racismo, enaltecendo a aristocracia sulista e transformando os negros em vilões. Um verdadeiro absurdo!

No novo Nascimento de uma Nação, Nate Parker mostra a brutalidade do tratamento imposto aos escravos negros nas fazendas do Sul dos Estados Unidos – da exploração sexual, passando por humilhações sem fim, à tortura. Nesse cenário, cresce Nat Turner, que cai nas graças da família proprietária da fazenda em que vive. A dona da casa o educa e o introduz na fé cristã. Ao crescer, o protagonista vira pastor protestante. Seu senhor e amigo de infância, usa inescrupulosamente o religioso para faturar. Leva Nat de fazenda em fazenda para que ele faça sermões com o intuito de pacificar escravos rebeldes.

A missão imposta a Turner não dura tanto. Ele se indigna com a tarefa de contribuir para que os negros fiquem cada vez mais submissos aos aristocratas. A gota d’água acontece após o estupro da sua própria esposa e de outra escrava pelos brancos e após ser violentamente punido por seu senhor. A exemplo de um Moisés, criado entre os egípcios e que depois se rebela para salvar seu povo, Nat se volta contra a casa grande e a senzala, transformando-se em um líder que sai pelas propriedades libertando escravos e matando os escravocratas.

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O Nascimento de uma Nação tem vários méritos, como o roteiro, as atuações, a fotografia – que em alguns cenários parece formar uma pintura romântica – e a trilha sonora, composta de cantos ancestrais, gospel e Nina Simone. Artista com a vida marcada pelo racismo, as interpretações de Nina sempre caem com perfeição em películas que enfocam a temática do preconceito e da opressão.

Lamentamos apenas que a carreira do filme tenha sido comprometida por ocorrências fora dos sets. Inicialmente cotado como promessa ao Oscar, O Nascimento de uma Nação acabou boicotado após virem à tona denúncias do envolvimento de Nate Parker no estupro de uma universitária em 1999. O fato de ser inocentado não impediu o surgimento de uma polêmica, com as pessoas relacionando o caso real de Parker justamente aos estupros que ocorrem no drama histórico. Uma pena pois a obra  realmente emociona e faz pensar sobre um tempo nefasto que, infelizmente, ainda deixa fortes sequelas, nos Estados Unidos e no Brasil, países onde acontecem enormes violações aos direitos da população afrodescendente.

A juventude quase eterna de Iggy Pop

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Marcelo Araújo

Há entre os roqueiros aqueles que dão guinadas rumo a um som mais comercial para ampliar o saldo da conta ou os que ficam burocraticamente a reciclar seu legado, sem coragem de ousar um milímetro, vivendo das glórias passadas. Perto de completar 70 anos de idade e com mais de 50 de carreira, principal membro de uma das bandas mais influentes da história, The Stooges, Iggy Pop sempre passou longe dos acomodados. Continua a todo vapor. Não poderia ser diferente com Post Pop Depression, 17º álbum do cantor e uma das belas surpresas deste ano de 2016. Sei que faz um tempo que esse disco saiu, mas não pude deixar de escrever sobre ele.

A ousadia das escolhas de Iggy Pop em seu último disco já se reflete na escolha do produtor do disco, Josh Homme, guitarrista do Queens of the Stone Age, que também integra a banda. O grupo de base se completa com Dean Fertita no baixo, outro membro do Queens of the Stone Age, e Matt Helders, batera pesado do Arctic Monkeys.

A produção de Josh aposta na mescla de timbres de rock mais tradicional com cores modernas. Os elementos elétricos são valorizados nas guitarras, alternados com o acústico em violões, uma orquestração elegante e até evocações orientais. A potência e emoção do canto de Iggy permanecem com as suas múltiplas facetas – blueseiro, punk, gótico, psicodélico, soul, poético, cool, furioso. Às vezes, a sonoridade traz flashes de álbuns dos anos 70 como The Idiot e Lust for Life. Em outros instantes, o padrinho do punk se aproxima de bandas contemporâneas que tanto influenciou, como os próprios Queens of the Stone Age e Arctic Monkeys.

O velho iguana em sua carreira nunca gravou um disco sem importância. Por todas as fases que atravessou, sempre deixa pérolas espalhadas para os ouvintes. Neste CD não seria diferente. Temos clássicos popeanos instantâneos, crônicas viscerais da humanidade, como Chocolate Drops, Paraguay, Gardenia e In the Lobby.

Bem que Iggy podia realizar uma turnê comemorativa dos seus 70 anos, em 2017, e nos fazer o magnífico favor de passar pelo Brasil mais uma vez. Afinal, para ele a velhice parece nunca chegar e nem afetar seus discos e shows. Melhor para nós, fãs, que ganhamos com esta juventude quase eterna.

 

 

 

Copacabana nada sadia

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Marcelo Araújo

Em 1982, o cantor e músico Júnior Mendes lançou o disco Copacabana Sadia, cuja faixa título falava dos encantos do bairro mais famoso do Rio de Janeiro (há quem diga que é Ipanema). Visão bem diferente ocupa espaço no livro de quadrinhos Copacabana, do roteirista Sandro Lobo e do ilustrador Odyr, dois gaúchos que já moraram na Cidade Maravilhosa, onde se inspiraram para criar estas páginas. Sem qualquer glamour, a dupla mostra o lado sombrio da região ao invés da visão turística. Trata-se de uma HQ lançada há alguns anos que tive o prazer de descobrir recentemente numa feira de livros.

Junto com Diana, prostituta que protagoniza a história, o leitor mergulha no submundo de Copa, com direito a muito sexo, drogas, armações e violência. Para sobreviver e sustentar a mãe, que mora longe, a prostituta se sujeita a tudo, em meio ao vício nas drogas, exploração sexual e criminalidade.

Cada jornada conduz a moça por um universo no qual habitam profissionais do sexo, traficantes, golpistas, assaltantes, viciados, vagabundos ou simplesmente as tais pessoas “comuns”. Todos buscam prazer e diversão, por hotéis, praias, bares, restaurantes, casas noturnas e prostíbulos. Parecem, de certo modo, perseguir o sonho de uma vida fácil,  regada a riqueza, mas, no final, sempre acabam presos a pesadelos e frustrações.

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Tanto as tramas boladas por Lobo quanto os desenhos em preto e branco – com toques noir – de Odyr formam um ambiente no qual a realidade está sempre a nos jogar baldes de água fria. Chama a atenção o fato de quase nunca enxergarmos os olhos dos personagens, exceção aos de Diana, a única que mantém a esperança no caos. As expressões são carregadas pela desilusão da qual um célebre carioca, Paulinho da Viola, nos falou com maestria na música  Dança da Solidão.

Amo o Rio de Janeiro e Copacabana, porém, como em boa parte do Brasil, ali há um desnível entre as apaixonantes e inegáveis belezas naturais e urbanas e a desigualdade social que atormenta parte significativa da população do nosso país, como a bela Diana dos quadrinhos de Odyr e Lobo. Bom que a arte também exista para nos lembrar que junto com as maravilhas coexistem as amarguras neste nosso mundo Jekyll e Hyde.

 

Poesia na bagagem

Foto: Mônica dos Santos Costa Ferreira

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Glauber Vieira, Ferreira, ao centro, comigo e a jornalista Michelle Souza

Há pouco tempo, por meio das redes sociais, Instagram e depois Facebook, passei a manter contato com o escritor Glauber Vieira Ferreira, mineiro de Varginha radicado em Brasília. Mais do que um canal para se postar fotos ou comentários, acho que esses novos veículos têm possibilitado ampliar fronteiras, divulgando nosso trabalho e mantendo contato com artistas de tantos lugares, do Brasil e de fora. Cito, além do Glauber, o Andreas Noras, carioca que vive em São Paulo, a também carioca Anna Duarte e a paulista Cristiane de Farias (Morphine Epiphany) como felizes encontros ocorridos pela web. Prometo, em futuras ocasiões, falar do trabalho destes autores.

Voltando ao Glauber, ele acaba de lançar seu segundo livro, Poesia Estradeira, no qual os versos se inspiram em viagens do escritor por nosso planeta ou a lugares aos quais gostaria de ir. Gentilmente, o poeta me enviou o convite para a sessão de autógrafos, no restaurante Carpe Diem, espaço onde, eu mesmo, fiz lançamentos. Foi num sábado, dia 3 de dezembro. O primeiro livro de Glauber, “Mosaicos”, saiu em 2015 e traz minicontos sobre problemas sociais, a natureza e textos humorísticos

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Fui com minha esposa Michelle, jornalista, do blog Ela Fala dos Bastidores. Tivemos a oportunidade de conhecer Glauber pessoalmente, bem como a sua esposa, Mônica. Casal extremamente simpático. Para minha adorável surpresa, Vieira trazia consigo um exemplar da primeira edição do meu primeiro livro – já esgotada -, Não Abra – Contos de Terror, que tive a honra de autografar. Ambos lançamos pela Thesaurus Editora, selo do português Victor Alegria.

Poesia Estradeira se revela como bela surpresa na cena poética atual. Portugal, Chapada dos Veadeiros, São Miguel das Missões (RS), Amsterdam, Goiás Velho, Chapada Diamantina, Serra Pelada e tantos outros lugares se encontram nos versos de Glauber Vieira Ferreira. Achei muito interessante que sua poesia tenha ares de crônica. O autor não descreve simplesmente as terras que visitou, mas fala delas com emoção e jeito de contador de histórias, figura que simboliza um pouco das riquezas culturais brasileiras. Quando escreve sobre Alto Paraíso, cidade que confesso que ainda não conheço, sinto a percepção do cheiro do mato e das belas visões da natureza.

Podia escrever parágrafos inteiros sobre vários textos de Poesia Estradeira, porém acho melhor deixar que o leitor os descubra. Cito apenas alguns, como Cataratas do Iguaçu (“Um monstro com pele de água que se reproduz dia a dia, hora a hora, e uma garganta que grita o mesmo som, a mesma fúria, desde o início dos tempos”); Canudos (“Será preciso outra guerra ou outro açude para encarar, de novo, olho no olho, Canudos?”) e Museu de Anne Frank, em Amsterdam, memorial dedicado à menina judia e a sua família, vítimas do Holocausto nazista. Nestes versos, Glauber comenta seu desconforto perante a atitude de pessoas que tiram selfies alegres que nada condizem com o peso emocional desse tipo de ambiente.

Há, ainda, os locais pelos quais o poeta não passou, mas gostaria de visitar, como Cuba. Enquanto isso não acontece, deixa versos anunciando sua intenção de conhecer o país insular: “Um dia ainda vou a Cuba. Não apenas para o mojito do Bodeguito del Medio (…). Quiçá entenda melhor o embargo, as dificuldades do povo, as fugas para a Flórida. E também a ditadura, e tudo o que dela advém (…)”.

Então, só posso lhes desejar uma coisa: adquiram seus exemplares e façam uma boa viagem!