Evangelho segundo a lei do cão

Imagem: reprodução

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Marcelo Araújo 

Rebeliões nos presídios, facções criminosas degolando rivais, ônibus queimados nas ruas, delegacias de polícia atacadas, atentados nas ruas. Ainda que mais intenso, o cenário da criminalidade no Brasil hoje guarda semelhanças com o de 2006, época do lançamento dos quadrinhos O Messias, escrito por Gonçalo Junior e com desenhos de Flávio Luiz. Na ocasião, o PCC, um dos protagonistas da crise atual, barbarizava no estado de São Paulo.

Vale resgatar esta HQ publicada pela Opera Graphica, cujo enredo se passa na cidade do Rio de Janeiro. O dito Messias nasce em condições miraculosas em uma favela carioca. Após o assassinato da mãe grávida e dos demais membros da família, o bebê é retirado ileso do útero. Dado o fato surpreendente, a criança acaba venerada na comunidade como um salvador. A mãe adotiva recebe, inclusive, a visita de três reis magos modernos, de terno e óculos escuros. Só que ao invés de trazerem mirra, ouro e incenso, chegam com cocaína, maconha e uma metralhadora.

Quando cresce, o Messias dos morros não se transforma num líder religioso pacifista como aquele que deu origem ao cristianismo. Vira, sim, chefe do crime organizado e espalha uma onda de terror pela Cidade Maravilhosa, praticando roubos e assassinatos. Enfrentando a polícia sem qualquer temor, o anti-herói conquista espaço na cobertura da imprensa, tornando-se lenda do banditismo. A cada passo na sarjeta da fama se desenha seu grand finale.

Sem palavras

O realismo cru dá  a tônica de O Messias, tanto pelo enredo de Gonçalo Junior quanto pela arte de Flávio Luiz. Chama atenção não existir qualquer diálogo escrito nas 125 páginas dessa banda desenhada. Eventualmente, aparecem onomatopeias. Diz o clichê que uma imagem fala mais que mil palavras. Aqui, de fato, os desenhos contam tudo, em preto-e-branco e com vivacidade assustadora. Inclusive, o autor Gonçalo Junior afirmou quando lançou a publicação que preferiu uma obra muda porque em territórios dominados pelo crime impera o silêncio.

A saga de denúncia social da obra de Gonçalo e Flávio desnuda o messianismo que aflora nos bolsões de miséria eternamente abandonados pelo poder público brasileiro, onde não há segurança, saúde, educação, saneamento, cultura, lazer e nada mais. Nesses redutos da desesperança, até mesmo os profetas correm o risco de sucumbir às tentações. E de vez em quando sucumbem!

Quarenta filmes de terror

Fotos: divulgação

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Marcelo Araújo

Minha ideia era preparar uma lista de filmes de terror para indicar na Sexta-Feira 13. Nem me ligo muito a datas, mas ia aproveitar a mítica em torno para dar sugestões de exemplares do gênero. Acabou que não consegui finalizar a tempo de publicar na sexta. De qualquer forma, como escrevo frequentemente sobre esse estilo, resolvi aproveitar estas resenhas e sugerir a quem, como eu, aprecia uma história assustadora. Evidentemente, muitos títulos, mesmo essenciais, ficaram de fora. Estes 40 aqui recomendados poderiam virar 80, 100, sei lá quantos. Apenas nos anos recentes, há uma enxurrada de películas desse tipo e muitas são de qualidade. Lembrei de obras que servem de referência por época. A partir daí, o leitor tem condições de pesquisar mais a respeito. Ao se deparar com Nosferatu, que abre nossa lista, lembraremos de pérolas do expressionismo alemão como O Gabinete do Dr. Caligari e As Mãos de Orlac. As películas de horror dos anos 30, como Drácula e Frankenstein, conduzem a outras não mencionadas na lista, como White Zombie e A Noiva de Frankenstein. Ju-On The Grudge serve como ponte para Ringu (O Chamado) e tantas criações do terror oriental.  A maioria absoluta das produções listadas aqui teve lançamento em DVD ou pode ser encontrada em serviços de streaming. Os mais antigos, anteriores aos anos 40, são achados no YouTube por já terem caído em domínio público e não haver mais cobrança de direitos autorais. Quem sabe elaboramos nova lista com filmes que ficaram de fora. Divirtam-se.

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1 – Nosferatu (1922) – Realizado por F.W. Murnau, este marco do expressionismo alemão deveria ser a primeira adaptação cinematográfica de Drácula, do escritor irlandês Bram Stoker. De certa forma é, porém, a dificuldade de chegar a um acordo com os herdeiros do autor impediu a empreitada com o nome do personagem título do livro. Um filme de terror dos mais importantes, com a figura pavorosa do Nosferatu encarnada por Max Schereck no clima sombrio dos cenários expressionistas.

2 – O Fantasma da Ópera (1925) – Um dos clássicos do horror dos tempos do cinema mudo é esta adaptação do livro do francês Gaston Leroux estrelada por Lon Chaney. A maquiagem monstruosa é capaz de deixar muita entidade atual no chinelo. Rodado em Hollywood, tem influência evidente do expressionismo na narrativa sobre as peripécias do ser mítico que assombra um grande teatro.

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3 – Drácula (1931) – Tod Browning dirigiu este filme para a Universal. O personagem vivido pelo ator húngaro Bela Lugosi, com o cabelo engomado, vestido de capa preta, camisa branca e gravatinha, se tornou o modelo por décadas para adaptações sobre o conde da Transilvânia que suga o sangue dos humanos.

4 – Frankenstein (1931) – Se Bela Lugosi personificou o protótipo de Drácula, coube ao inglês Boris Karloff, sob direção de James Whale, encarnar a imagem do monstro de Frankenstein que virou ícone da cultura pop em outros filmes de horror, quadrinhos, desenhos animados, programas de humor e tudo mais. Normalmente, há um equívoco em chamar o monstro de Frankenstein, quando na verdade o romance de Mary Shelley tem no título o sobrenome do cientista Victor. Com seu corpo construído com partes de vários cadáveres e trazido à vida por meio de um raio, o monstro se torna uma ameaça à vida humana.

5 – M. O Vampiro de Dusseldorf (1931) – Um serial killer espalha o terror por Berlin, assassinando crianças. Dirigido por Fritz Lang, é um dos cantos de cisne do expressionismo alemão. Chama a atenção no filme quando aparece a sombra do vilão assobiando um tema de Grieg toda vez que se prepara para atacar uma de suas inocentes vítimas. O ator Peter Lorre como sempre arrasa.

 6 – O Homem Invisível (1933) – James Whale dirige esta adaptação da novela de H.G. Wells estrelada pelo inglês Claude Rains. O ator vive Jack Griffin, descobridor da fórmula da invisibilidade, fenômeno que também parece afetar malignamente sua personalidade. Uma obra-prima na fronteira do horror com a ficção científica, característica das histórias criadas por H.G. Wells.

7 – O Lobisomem (1941) – A lenda do homem que se transforma numa criatura misto de humano e lobo ganhou várias adaptações nas telas. Nesta versão do diretor George Waggner, Lon Chaney, Jr. faz o papel do jovem Larry Talbot, que passa a virar o homem-lobo após ser atacado por uma fera.

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8 – O Médico e o Monstro (1941) – Victor Fleming, cineasta de …E o Vento Levou e O Mágico de Oz, trouxe às telas esta adaptação da obra de Robert Louis Stevenson com Spencer Tracy no papel do cientista que, vítima de uma experiência, tem a personalidade dividida. Uma é a original, boa, o Dr. Jekyll. A outra que surge a partir de uma transformação é a de Mr. Hyde, homem cruel, cuja principal finalidade está na pratica do mal. Interessante que temos ainda no elenco Ingrid Bergman e Lana Turner, cujas personagens se tornam os dois amores do Médico-Monstro, com características no caráter que atraem para elas, por razões diferentes, as duas faces do protagonista.

9 – Drácula (1958) – Primeiro filme de horror do estúdio inglês Hammer, com direção de Terence Fisher e com Christopher Lee no papel do conde da Transilvânia. Adaptação mais livre do personagem concebido por Bram Stoker. Este Drácula abre caminho para a sensualidade nos filmes de vampiro, que até se fazia presente em histórias escritas do gênero no século XIX, mas que nas telas ficou contida por algum tempo.

10 – Psicose (1960) – Uma das obras-primas do mestre do suspense Alfred Hitchcock. Psicose é baseado no livro de Robert Bloch, que por sua vez se inspira no caso real do assassino Ed Gein. A direção genial de Hitchcock, a trilha sonora nervosa de Bernard Herrmann e a atuação magnífica de Anthony Perkins constituem pilares dessa ficção assustadora.

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11 – Black Sabbath (1963) – O nome que inspirou a famosa banda de heavy metal é o título em inglês para o filme italiano I Tre volti della paura, chamado no Brasil de As Três Máscaras do Terror. Nem só de produções anglo-americanas vive o mundo do horror. Mario Bava deu destaque à Itália neste cenário. São três episódios: A Gota D’água, O Telefone e Wurdalak. Bava conhecia bem a fórmula para meter medo e explorar a fobia das trevas, como aqui percebemos.

12 – O Bebê de Rosemary (1968) – O fantástico Roman Polanski dirige enredo perturbador que envolve o jovem casal Rosemary (Mia Farrow) e Guy (John Cassavetes). Eles vão viver em um prédio com uma vizinhança para lá de esquisita. Trata-se do edifício Dakota, em Nova York, onde John Lennon passou os últimos anos de vida e foi assassinado na porta, em 1980. Grávida, Rosemary percebe um clima amistoso estranho entre seu marido e os demais moradores, até descobrir que existe algo terrível à espreita. A trilha sonora tem assinatura do magnífico pianista de jazz polonês Krzysztof (lê-se Shistof) Komeda.

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13 – A Noite dos Mortos Vivos (1968) – Ainda que não seja o primeiro filme sobre zumbis, a obra de George Romero definitivamente se tornou a principal referência para esta escola de mortos-vivos famintos para tirar uma lasquinha dos humanos. Tradição esta que inclui A Volta dos Mortos Vivos (1985), Guerra Mundial Z (2013), o coreano Invasão Zumbi (2016) e a popular série de TV The Walking Dead. Nesta produção independente em preto-e-branco, um grupo de pessoas resiste em uma casa a um ataque de mortos reanimados.

14 – O Exorcista (1973) – O cineasta William Friedkin criou uma película apavorante sobre a menina Regan, interpretada por Linda Blair, que é possuída por uma entidade do mal. Vai ser difícil expulsar o tinhoso do corpo da garota e aí reside a força da história. Um paradigma para os filmes de exorcismo e que tratam do tema da possessão demoníaca.

15 – O Massacre da Serra Elétrica (1974) – Tobe Hooper criou um dos pilares do gênero de horror de psicopatas, com uma família de freaks canibais que massacram um grupo de jovens. A exemplo de Psicose, The Texas Chainsaw Massacre (título original) tem inspirações na história do assassino Ed Gein. Destaque para o abominável Leatherface, personagem que usa máscara confeccionada com carne humana. O clima árido e sombrio dá a tônica desta peça original sobre a brutalidade. Houve trocentas continuações e reboots mas nenhum chega perto do original.

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16 – Tubarão (1975) – Filmes de monstros da natureza não são muito a minha praia. Literalmente. Fujo dessas coisas (rs). Brincadeiras à parte, o Tubarão de Steven Spielberg é o melhor exemplar cinematográfico de horror com animais. Esqueça essas bobagens com anacondas, crocodilos, piranhas e mesmo outros filmes de tubarões. Mar Aberto (2003), baseado em relato real, é exceção. O mérito de Spielberg está justamente em explorar o suspense advindo do perigo oculto nas águas, dando menos destaque à monstruosidade do animal.

17 – Profecia (1976) – Uma das simbologias mais exploradas em filmes de terror é a do Anticristo, segundo o Novo Testamento, entidade oposta a Jesus e que dominará os homens. O primeiro filme da série tem direção de Richard Donner (Superman e Máquina Mortífera). O embaixador Robert Thorn (Gregory Peck) não sabe, porém, seu filho Damien é na verdade cria de Satã e tem como destino virar o famigerado Anticristo. Alertado por um padre sobre o perigo que o garoto representa, Robert só se dá realmente conta do mal próximo após ocorrerem mortes de algumas pessoas.

18 – Carrie, a Estranha (1976) – Primeiro romance de Stephen King a virar longa-metragem e já começou pela porta da frente, com direção de Brian De Palma. Sissy Spacek faz o papel de Carrie, adolescente tiranizada em casa pela mãe, uma fanática religiosa. Na escola, por não se encaixar nos padrões convencionais, sofre bullying dos colegas. Sem ter paz em momento algum, começa a manifestar poderes telecinéticos. A história vai num crescendo de tensão até o último minuto. Temos John Travolta em começo de carreira como um dos jovens que persegue a pobre Carrie. Azar o dele.

19 – Halloween (1978) – John Carpenter dirigiu um dos filmes mais copiados de todos os tempos. O modelo do psicopata mascarado, que assassina suas vítimas com requinte de crueldade, inspira até hoje uma leva de produções sanguinárias, que inclui Sexta-Feira 13, A Vingança de Cropsy, Baile de Formatura, Dia dos Namorados Macabro, Pânico e Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado, entre dezenas de outros.

20 – O Iluminado (1980) – O autor do livro que inspirou o filme, Stephen King, já disse que não gostou desta adaptação. Ironicamente, é a melhor versão para a tela de um de seus livros, feita pelo mestre Stanley Kubrick. As sacadas visuais do diretor de 2001 e Laranja Mecânica dão status de obra de arte à história de King, sem abrir mão do terror forte e claustrofóbico, em uma das melhores atuações da carreira de Jack Nicholson como o escritor ensandecido.

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21 – Sexta-Feira 13 (1980) – Sean S. Cunningham dirigiu o marco inicial de uma das franquias de maior sucesso da história do cinema de terror. O primeiro filme tem seu valor, ao explorar o suspense em um acampamento em que jovens são atacados por um misterioso assassino. À medida que as continuações da série surgiram a fórmula se desgastou, inclusive com um patético duelo entre os matadores Jason Voorhees e Freddy Krueger ou Jason no espaço. Brincadeira!

22 – Evil Dead  (1981) – A atual febre de mortos-vivos desesperados por morder os vivos também deve um pouco a esta obra-prima de Sam Raimi, com Bruce Campbell no papel principal. Um grupo vai parar em uma cabana abandonada na qual descobre um cassete que liberta entes malignos que possuem os humanos. A versão de 2013, do uruguaio Fede Alvarez, também é boa, carregando ainda mais na violência. Tem que ter estômago para assistir, mano velho.

23 – Poltergeist, o Fenômeno (1982) – Steven Spielberg escreveu esta história e produziu, deixando a direção para Tobe Hooper, de O Massacre da Serra Elétrica. Uma família vai morar em uma casa recém-construída e se depara com fenômenos sobrenaturais (essa história você já ouviu antes). Os efeitos especiais ajudam a carregar no terror e há um clima de fantasia certamente com o toque de Spielberg. As sequências não empolgam tanto, porém, pior é o remake chatíssimo de 2015.

24 – A Hora do Pesadelo (1984) – A hora do sono é quando descansamos de uma jornada cansativa, relaxando e recuperando nossa energia. Certo? Não no filme de Wes Craven, em que o terrível Freddy Krueger invade os sonhos das pessoas para matá-las. Então, não feche os olhos, mesmo que por alguns segundos, pois o demônio do sono virá em seu encalço. Johnny Depp, em início de carreira, dás as caras nesta produção, mas quem brilha mesmo é Robert Englund, no melhor papel de sua carreira, como o irônico e sanguinário espírito. A exemplo de Sexta-Feira 13, as continuações são fracas.

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25 – Drácula de Bram Stoker (1992) – Francis Ford Coppola, de O Poderoso Chefão e tantos clássicos, deu outra dimensão ao célebre personagem criado pelo escritor irlandês, retirando a caricata imagem do vampiro engomadinho. Gary Oldman no papel do nobre bebedor de sangue trouxe dramaticidade que até então não era o forte do vampiro. Cenários e fotografia esplêndidos constituem outro atrativo.

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26 – A Bruxa de Blair (1999) – Mais do que marketing, a inovação na obra dirigida por Eduardo Sánchez e Daniel Myrick é um mérito. O filme foi apresentado como documentário encontrado em uma floresta americana, feito por três jovens que desapareceram na busca pelo mito de uma antiga bruxa. A ideia da câmera na mão, mostrando o ponto de vista dos personagens, dá um gás no desespero. A fórmula deu tão certo que 18 anos depois ainda é bastante copiada.

27 – Os Outros (2001) – Nicole Kidman estrela este surpreendente conto fantasmagórico dirigido pelo chileno-espanhol Alejandro Amenábar, que ainda assina a trilha sonora. O clima assombrado dá bons sustos e o enredo se revela inteligente.

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28 – Ju-On – The Grudge (2002) – Poderia ter escolhido outros filmes japoneses para compor a lista, no entanto creio que este, de Takashi Shimizu, seja o mais representativo. Um crime violento cometido em uma casa em Tóquio faz nascer uma maldição, que consome todo aquele com quem mantiver contato. Quando Ju-On surgiu, na virada dos anos 90 para 2000, o cinema de horror em Hollywood vivia tempos de menor criatividade. Os orientais sinalizaram novo caminho para o terror, com espectros absolutamente assustadores tomando o lugar de figuras já caricatas, como Jason e Freddy Krueger. Não à toa, os americanos refilmaram várias produções do País do Sol Nascente e adjacências.

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29 – A Casa dos Mil Corpos (2003) – Egresso vocalista da banda de metal White Zombie, Rob Zombie estabeleceu bem-sucedida carreira como diretor de filmes de terror, nos quais parece sempre reverenciar a cultura pop dos anos 70, valorizando as trilhas sonoras e resgatando elementos de road movies clássicos. Aqui o Massacre da Serra Elétrica surge como referência imediata quando dois casais acabam aprisionados por uma família de psicopatas.

30 – Wolf Creek (2005) – Em visita à Austrália, duas jovens britânicas contratam um guia local para passeios turísticos pelos desertos daquele país. Ao chegarem à tal Wolf Creek (Cratera do Lobo), o carro que estão usando pifa. Conseguem carona com uma figura caipirona e aparentemente prestativa chamada Mick Taylor (não é o ex-guitarrista dos Rolling Stones). Mal sabem que estão indo para um caminho extremamente perigoso.

31 – A Chave-Mestra (2005) – Num filme de Ian Softley, Kate Hudson interpreta Caroline Ellis, enfermeira que vai para uma velha casa na Louisiana para cuidar de um idoso doente. Lá, recebe da esposa do paciente uma chave-mestra para abrir todas as portas da residência. No cotidiano, descobre uma atmosfera sobrenatural relacionada a ritos de magia outrora praticados ali. Além da história intrigante, blues de primeira na trilha sonora.

32 – O Lobisomem (2010) – O diretor texano Joe Johnston retoma a história do homem lobo com Benício Del Toro no papel da fera e com Anthony Hopkins como seu pai. A carnificina rola solta com efeitos especiais, mas um dos méritos do filme é reviver a ambientação dos filmes góticos dos anos 30 e 40. Benício inclusive ficou com a cara daqueles atores antigos que interpretavam entes sobrenaturais no cinema.

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33 – O Último Exorcismo (2010) – O cineasta Daniel Stamm ataca no estilo falso documentário a la Bruxa de Blair. A equipe de uma TV acompanha o reverendo Cotton Marcus em um exorcismo de uma jovem no interior da Louisiana. Acostumado a se valer de farsas em sua atividade, Cotton desta vez se depara com um fenômeno que irá mexer consigo.

34 – Sobrenatural (2011) – Um dos mestres contemporâneos do terror, James Wan concebeu uma fantasia ao mesmo tempo aterradora e onírica. Um casal se vê em desespero quando um de seus três filhos mergulha num coma profundo. Terminam descobrindo que a causa do problema não é clínica. O espírito do garoto está preso em um ambiente de trevas e espíritos tentam roubar seu corpo. Há um quê de Tim Burton nesse filme, particularmente na entidade principal.

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35 – A Mulher de Preto (2012) – Daniel Radcliffe havia acabado de sair da série do bruxo Harry Potter para personificar Arthur Kipps, sob direção de James Watkins. Esta produção inglesa se baseia no romance de Susan Hill, bem interessante, por sinal. Um jovem advogado que trabalha em um escritório recebe a missão de fazer o inventário de uma mulher recém falecida. Para isso, viaja a uma pequena cidade britânica. Ao chegar à localidade, presencia fatos estranhos, como a morte de crianças. Eventos mais estranhos ainda ele testemunhará nos momentos em que vai passar na casa da falecida mulher.

36 – A Entidade (2012) – Ethan Hawke é o protagonista desse terror dirigido por  Scott Derrickson. Cá temos a história de Ellison, um escritor que se muda com a família para uma casa na qual descobre, no sótão, rolos de filmes com assassinatos. Ao investigar o mistério, Ellison começa a enfrentar uma terrível força sobrenatural. Bem assustador.

37 – Filha do Mal (2012) – Sob direção de William Brent Bell, este é mais um dos exemplares da safra recente de filmes no formato de falso documentário. Durante um exorcismo, a possuída Maria Rossi (Susan Crowley) mata três pessoas. Após este episódio, é internada em um manicômio em Roma. Sua filha, Isabella (a brasileira criada nos Estados Unidos Fernanda Andrade) viaja até lá para documentar imagens e tentar entender o que aconteceu com a mãe. Prepare-se para cenas bem nervosas, de tirar o fôlego.

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38 – Invocação do Mal (2013) – Outra vez James Wan em um dos filmes mais assustadores dos últimos tempos, baseado em fatos supostamente reais. Acompanhamos uma família que passa a ser vítima de fenômenos horripilantes ao se mudar para uma casa antiga. Então entra em ação o casal Ed e Lorraine Warren, os mais famosos demonologistas e estudiosos de fenômenos paranormais dos Estados Unidos. Eles tentam enfrentar a entidade que atormenta os moradores daquele lar e impedir que uma tragédia acabe ocorrendo.

39 – Corrente do Mal (2014) – Um daqueles fortuitos encontros entre o cinema de arte e o terror, que remete à linhagem de mestres como David Lynch e David Cronenberg. O diretor David Robert Mitchell capricha na estranheza ao narrar a história de uma maldição transmitida por meio da relação sexual. O “infectado” começa a ver estranhas figuras, que o perseguem para matá-lo. A única esperança de escapar é transando com outra pessoa, que passa a ser o portador da maldição. Há quem diga que Mitchell criou uma espécie de metáfora para doenças sexualmente transmissíveis. O fato é que realizou uma película original, com fotografia esmerada, planos abertos e uma trilha sonora que remete a Kraftwerk, Tangerine Dream, Brian Eno e outros vanguardistas.

40 – A Bruxa (2015) – Uma das melhores produções de terror da atualidade, ainda que muitos fãs do gênero não a tenham compreendido. De fato, não é um filme daqueles que reservam muitos sustos, de fazer o espectador pular da cadeira. Ao invés disso, o diretor Robert Eggers apostou em um clima de tensão psicológica de caráter nitidamente sexual. Afinal, estamos na América nos idos de 1600. Por conta de divergências religiosas, uma família puritana da Nova Inglaterra é expulsa da comunidade na qual vive. O casal e seus filhos vão morar isolados, perto de uma floresta. Em meio à solidão, acontecimentos misteriosos trazem infelicidade e pânico ao lar cristão.  Paranoia ou manifestações do além. Você decide!

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Setenta anos do nascimento de Bowie; um ano sem ele

Foto: divulgação

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Um dos ícones do rock e uma das figuras mais influentes da cultura pop mundial, se estivesse vivo David Bowie completaria neste domingo, 8 de janeiro, 70 anos de idade. Celebramos o nascimento desse gênio, mas, ironicamente, no dia 10 do mesmo mês, vamos lembrar de um ano que o artista se foi, dois dias após completar 69.

Até hoje custa aceitar perda como esta. Parecia que seria eterno, que estaria continuamente nos brindando com aquela linda voz, com suas canções magistrais, com seus shows de nos deixar de queixo caído.

Saber da sua morte foi um choque. Era uma segunda-feira de manhã, bem cedo. Como de costume, liguei o noticiário para me informar sobre as primeiras notícias. Quando vi as imagens dele aparecendo na abertura de um telejornal, antes mesmo de o apresentador anunciar o ocorrido, pressenti a tragédia. Tínhamos perdido um de nossos maiores heróis.

David Bowie entrou na minha vida quando tinha 13 anos e assisti a um clipe seu na televisão cantando Blue Jean. Algo muito cool me chamou a atenção no cara de cabelos curtos, tocando violão e vestido com roupa camuflada. A canção era incrível. À medida que fui descobrindo os discos, de todas as fases, desde os anos 60, minha veneração só aumentou.

Nunca me decepcionei com qualquer de seus discos. Bowie sempre esteve na vanguarda, fosse no glam rock, no blue eyed soul, no rock experimental e nas inúmeras tendências que antecipou ou com as quais flertou. Numa balada ou em um rock pesado, sua voz pulsava equilibrando emoção e elegância.

E o que dizer também do Bowie ator, delicado, sutil, que encarnou tantos personagens no cinema, como o vampiro de Fome de Viver, ao lado de Catherine Deneuve, o alienígena de The Man Who Fell to Earth ou o Andy Warhol em Basquiat? Magistral.

Um ano voou muito rápido desde que o Homem das Estrelas se foi e o vazio permanece. Por tantas obras inesquecíveis, continuamos a lamentar sua perda. Sempre lembraremos de David Bowie.

https://vimeo.com/61136990

 

Nicolau Cabala

Texto e desenho: Marcelo Araújo 

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Mais um exemplar da série de textos inspirados em desenhos que criei. Desta vez, a história de um esotérico espanhol que vai viver no interior do Brasil. Futuramente, este material pode virar livro

Espanhol, Nicolau Cabala veio parar em uma cidade no interior do Brasil, onde atua como renomado esotérico, capaz de realizar previsões e comunicações com o mundo espiritual.

Seu verdadeiro nome é Nicolau Emiliano De Somoza. Nasceu em Sevilha, há mais ou menos 50 anos. Trabalhava no mercado financeiro. Segundo conta, o estresse atingia graus estratosféricos nessa atividade. Naqueles tempos, não tinha paz de espirito e vivia apenas para o dinheiro. “Era um materialista. Conquistei muitas coisas que o dinheiro poderia me dar. Só não era feliz”, garante.

Segundo nos informa, um dia, depois de uma jornada extenuante de trabalho, por volta de onze da noite, no momento em que caminhava para casa, algo mudou sua vida. Andava por uma rua deserta. Qual não foi o espanto quando imenso clarão surgiu à sua frente. De início, pensou que fosse um carro com luz alta, até perceber que não tinha veículo nenhum ali.

Nicolau Cabala enche os olhos de lágrimas ao lembrar deste fato. Conforme seu relato, no imenso clarão surgiu uma sombra, um silhueta. Não conseguiu identificar quem era. Uma voz masculina retumbante veio da luz. O executivo sentiu as pernas tremerem e ficou todo arrepiado. Diz que não teve medo, mas que foi atingido por uma emoção inexplicável.

– Nicolau, uma mudança urgente se faz necessária em sua existência. Tem que parar tudo o que está fazendo e seguir um novo caminho – disse a voz.

Mesmo naquele estado confuso, Nicolau perguntou:

– Que caminho?

– Precisa largar tudo e recomeçar.

– Largar tudo? Até meu emprego?

– Exatamente.

– E como vou sobreviver?

– Nicolau, não se preocupe. As forças da natureza arranjam tudo. No momento, necessitamos com urgência de você. O mundo precisa do seu apoio.

– Como assim? Não to entendendo nada.

– Não tema, Nicolau. Tudo se arranjará. Hoje à noite, ao chegar em casa, pegue um mapa do mundo e coloque sobre a mesa. Em seguida, jogue um caroço de feijão no mapa. O lugar onde esse caroço cair será a sua futura casa. Venda tudo aqui em Sevilha e compre uma casa nesta cidade para a qual irá. Lá você se transformará em um líder espiritual e guiará as pessoas, que virão do mundo inteiro para conhecê-lo. Você ajudará a fazer um planeta mais iluminado.

– Isso é loucura!

– Muita coisa parece loucura, Nicolau. Às vezes, a lucidez vem de onde menos se espera. Outra coisa: você agora passa a se chamar Nicolau Cabala. Bom trabalho!

Ditas as últimas palavras, a sombra sumiu no clarão e a luz diminuiu até desaparecer.

Por mais que parecesse loucura, o acontecimento fantástico não saía da cabeça de Nicolau. Ao chegar à sua casa, resolveu pôr em prática o que a sombra lhe recomendara. Lembrou-se de um atlas que sua mãe lhe deu na época da escola. Encontrou em um armário. Colocou em cima da mesa. Foi à cozinha e pegou um caroço de feijão. Deu uma olhada nos países e pensou para onde poderia ir: New York, Los Angeles, Miami, Londres, Tóquio.

Nicolau Cabala recorda que virou o rosto para o lado e jogou o caroço. Ao olhar no mapa viu que o feijão tinha ido parar no centro do Brasil. Correu para o computador e tentou identificar o lugar. Pesquisando, descobriu que várias cidades da região formavam um cinturão esotérico, com uma série de seitas, místicos, paranormais, ufólogos e outros indivíduos relacionados ao sobrenatural. “Vi realmente ali que estava diante de uma obra do destino”, afirma.

Naquela noite, diz que sonhou que estava vestido com roupas num estilo oriental, com uma bata verde e um turbante, usando uma barba enorme. Quando acordou, segundo ele, parecia ter passado por uma transformação. Já não encarava de maneira estranha a aparição da noite anterior e nem o propósito de se tornar um esotérico no Brasil.

Foi ao emprego e, para espanto de todos, pediu demissão, dizendo que mudaria radicalmente de vida. Colocou a casa à venda e avisou aos pais e irmãos da nova meta. “Obviamente, todos pensaram que eu tinha enlouquecido”, revela Cabala.

Vendeu tudo e comprou uma passagem de avião só de ida ao Brasil. Também passou em uma loja de moda indiana e comprou batas, turbantes e acessórios para caracterizar a fase Nicolau Cabala e deixou a barba crescer.

Não foi difícil escolher em qual daquelas cidadezinhas viveria. Eram muito próximas. Com o dinheiro arrecadado na venda da casa e de outros pertences, além das economias e do acerto de contas recebido no trabalho, comprou uma nova residência.

Nicolau Cabala revela seu espanto ao descobrir no sótão da casa uma série de artefatos esotéricos, incluindo uma bola de cristal. Dadas as características da região, não era difícil que algum proprietário anterior fosse praticante dessas artes. Surpresa maior ainda, conforme nos fala, teve ao começar a ver imagens na bola de cristal. “As coisas se encaixaram”, relembra.

Cabala colocou um anúncio no único jornal local, que falava o seguinte: “O vidente espanhol Nicolau Cabala chega à cidade para cuidar dos mais diversos anseios espirituais. Ele está na Rua José Peixoto, número 30”.

Aberta a casa, decidiu cobrar pelos serviços, segundo justifica: “Ora. Tenho que cobrar. A sombra não me disse que não poderia fazer isso. Se estou ajudando a pessoa como guia espiritual é importante que receba algo. Como vou viver em outro país sem dinheiro?. Aqui no Brasil o custo de vida é caro”. “Além do mais, se você oferece um serviço gratuito, não valorizam”, argumenta perante aqueles que dizem que não se deve pedir dinheiro por um dom recebido gratuitamente.

No dia seguinte ao anúncio, já tinha gente batendo na porta de Nicolau Cabala. Pediam que ele enxergasse o futuro na bola de cristal. Vinham perguntar sobre amor, negócios, carreira profissional, estudos, viagens, morte e até informações climáticas, algo que poderia ser consultado visitando-se páginas de meteorologia na internet. O fato é que os acontecimentos futuros vistos na bola pareciam repercutir. Membros de várias classes sociais e profissões o procuravam. Em poucos meses, sua fama extrapolou as fronteiras da cidade, e depois do estado e até do país.

A partir de uma visita de uma viúva que desejava contato com o finado marido, resolveu apostar também no ramo da comunicação com os mortos. Os clientes lhe faziam perguntas, que ele repetia para os entes do além. De acordo com Nicolau Cabala, após isso, surgiam visões dos mortos e vozes. Era preciso apenas trazer alguma foto dos finados para que a imagem o inspirasse a sentir as presenças sobrenaturais.

– Quero saber como papai vive no outro mundo. Ele está bem ou queima no fogo eterno? – perguntou-lhe uma moça.

– Seu papai está bem. Na verdade reclama um pouco do calor, mas nada grave.

Há quem duvide de Nicolau Cabala e dos seus feitos fantásticos. Um grupo liderado por Simeão Provença, professor da escola municipal, o classifica como charlatão. O docente diz que toda a história da sombra e da iluminação na rua foi inventada, que o espanhol era só um medíocre fracassado que descobriu uma fórmula para se dar bem na vida às custas da malandragem e da ingenuidade dos outros.

– E as adivinhações dele? – perguntam a Simeão.

– Esse cara é um espertinho. Induz as pessoas a acreditarem nele pegando informações que elas passam sem perceber. Ele não é o primeiro a fazer isso. Muita gente enriquece desse jeito. Só que eu não sou trouxa.

Simeão Provença fala que um dia ainda vai desmascarar Nicolau Cabala. Já o desafiou para um debate e para que apresente em público os seus ditos milagres. O vidente se recusa a participar.

– Os espíritos dizem que não é o momento adequado para isso. Não se preocupem, quando for a hora certa debateremos – esquiva-se.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Exorcismo via subconsciente

Foto: divulgação

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Marcelo Araújo 

Dominação, do diretor Brad Peyton, em cartaz nos cinemas brasileiros, aborda tema recorrente nos filmes de terror, a possessão demoníaca, de forma original. Ao invés de padres com água benta, crucifixos e orações entra em cena um paranormal que usa a mente para tentar libertar um garoto possuído por uma entidade.

Aaron Eckhart, de Obrigado por Fumar, interpreta Seth Ember, exorcista com método pouco convencional. No lugar de todo o aparato que costuma a acompanhar os esconjuradores, ele se vale de um dom que permite entrar na mente das pessoas. No subconsciente, um mundo imaginário, Seth enfrenta os espíritos malignos para salvar as vítimas.

Paraplégico por conta de um acidente que matou sua esposa e filho, Ember se refugia na bebida para aplacar a perda. O exorcista busca obsessivamente o responsável por sua tragédia, um demônio que se apodera dos seres humanos e os utiliza para praticar o mal.

A procura parece chegar ao fim quando encontra o garoto Cameron Sparrow (David Mazouz), vítima de uma possessão. Seth Ember descobre que o menino está sob o domínio de seu arqui-inimigo do além. Salvar a criança e derrotar definitivamente a terrível força sobrenatural não serão tarefas fáceis.

A originalidade do enredo valoriza o filme, dando ares de um Matrix paranormal e Aaron Eckhart desempenha bem o papel. Mesmo assim, há inevitáveis clichês das películas de exorcismo. Não se trata de uma obra-prima, mas pode divertir.

Jerzy Jerzemany

Texto e desenho: Marcelo Araújo 

jerzy

Mais um conto produzido inspirado em desenhos de minha própria autoria, neste começo de 2017. Agora, narro aqui um pouco da vida de Jerzy Jerzemany, um pianista polonês tentando a vida nos meios musicais de New York City

 

Ele veio da Polônia e lá já desenvolvia carreira de pianista de jazz nos palcos e nos estúdios.

Emigrou para New York faz dois anos. Precisou arrumar um bico antes de emplacar a carreira de músico profissional. Trabalhou meses, à noite, como garçom de um restaurante italiano.

Nesse lugar, um velho piano estava abandonado no canto. Jerzy se sentava para tocar um pouco quando o expediente acabava. Um dia, o dono o viu se exercitando nas teclas. Ficou tão impressionado que acabou trocando o polonês de posto. Há tempos procurava substituto para o pianista anterior.

Para trocar as bandejas pelo piano, Jerzemany precisou adequar o talento ao gosto dos frequentadores. Apresentava-se normalmente entre sete e dez da noite. Alguns standards como These Foolish Things, Over the Rainbow e As Time Goes By estavam liberados, mas deveria inserir repertório pop radiofônico no repertório.

Teve que aprender músicas de Madonna, Elton John e Paul Simon para satisfazer os apreciadores das lasanhas, canelones e raviólis, que ali chegavam no happy hour. Improvisos longos, nem pensar. Era ficar indo e vindo em torno da melodia.

Não foi fácil sair das influências de Thelonious Monk, Bud Powell, Art Tatum, Bill Evans e de seu conterrâneo Krzysztof Komeda para tocar baladas que considerava excessivamente comerciais. No entanto, conseguiu, às custas de audições em cima de um repertório básico passado pelo patrão, Giuseppe. Saíam Around Midnight e A Night in Tunisia para entrarem em cena Don’t Let The Sun Go Down on Me e Bridge Over Troubled Water.

“Melhor isso do que horas em pé anotando pedidos e carregando bandejas”, pensava Jerzy. Mesmo não interpretando seus autores favoritos e nem demonstrando muito a sua técnica, até que se divertia naquelas sessões de piano pop.

O emprego no restaurante italiano lhe garantia renda razoável e não lhe tomava tanto tempo. Por volta das dez da noite, Jerzy corria para jam sessions nos clubes de jazz. E aí realmente a música valia a pena. Logo se enturmou com a rapaziada que tocava nos pontos mais agitados.

Entre músicos americanos, japoneses, cubanos, brasileiros, ingleses, franceses e egressos do leste europeu, como ele mesmo; entre drinks criativos da casa e a vodca tão apreciada; entre saxofonistas, bateristas, pianistas, trompetistas, trombonistas, vibrafonistas, percussionistas, baixistas e guitarristas, o som rolava solto até a madrugada profunda.

Bebop, hard bop, cool, free jazz, bossa nova e até sons orientais, o que não faltava era liberdade para improvisar, num espaço absolutamente diverso daquele do começo da noite, no qual produzia a música ambiente para garfadas nas pastas e goles no vinho da casa.

Demonstrado o talento, Jerzy conseguiu até três clubes de jazz para se apresentar pelo menos uma vez por semana em cada um. Suas interpretações chamam a atenção do público e de críticos por conta daquele estilo europeu de trazer ao jazz influências como as da música erudita.

Já o chamaram para gravar um disco por meio de um pequeno selo. Para esse trabalho de estreia em solo norte-americano decidiu se dedicar apenas a autores poloneses, como o mentor intelectual Komeda.

Um dos caras que Jerzemany conheceu pelas noites nova-iorquinas foi o compositor, arranjador e pianista Julie Lollipop, com quem costuma a trocar figurinhas sobre a concepção de arranjos. Justamente com Lollipop Jerzy começou a pensar na produção de um álbum com quarteto de cordas. “Arranjar  exige que você trabalhe duro. Muita concentração e estudo. Agora criatividade é fundamental, do contrário você fica acorrentado à forma”, Julie costuma a dizer, enquanto o amigo polonês sorri suavemente.

As coisas avançam para Jerzy, desde aquela manhã em que chegou ao aeroporto JFK, com as economias de anos para tentar a sorte em New York. Naquele mesmo dia, foi morar na casa do tio Haskel, no Bronx. Tio Haskel bebe muita vodca e cozinha que é uma maravilha.

O jovem instrumentista polonês continua vivendo no mesmo bairro, porém com a grana que tira aluga  um apartamento para si e até comprou um piano elétrico, no qual se debruça por horas, antes de partir para as jams e gravações nos estúdios.

Sua fama começa a crescer e recebeu convites para tocar em Boston, Washington e Chicago. Com essas possibilidades na agenda, um amigo lhe indicou um manager para catapultar a carreira do polonês em solo americano. Vamos aguardar. Talvez o vejamos em breve no Blue Note.

Acreditem, mesmo após as mudanças, Jerzy Jerzemany passa naquele restaurante italiano às vezes, para tocar standards e canções pop. Dizem que tomou gosto por esse estilo e até começou a escutar mais pop. Falam que está preparando um repertório só de Billy Joel para tocar ali e em outros lugares. As más línguas até disseram que o polonês está se vendendo e buscando dinheiro fácil. Bobagem. Ele garante que é por diversão mesmo. Além do mais, quando toca no italiano, fora o cachê, a pasta e o vinho são por conta da casa

 

Jim Benzina

Texto e desenho: Marcelo Araújo

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Segue texto que acabei de produzir, sobre um roqueiro fictício, seguindo uma linha de criar textos inspirados nos meus próprios desenhos

Jim Benzina tem 35 anos e está no rock há mais de 20, desde que formou a sua primeira banda. Dali em diante, sua vida foi só diversão.

Começou a escutar rock’n’roll estimulado por um primo mais velho, que o apresentou a uma série de sons. Quase explodiu quando ouviu pela primeira vez o disco de estreia dos Stooges, com 1969 e I Wanna Be Your Dog. Ficou em êxtase, parado, babando no vocal de Iggy Pop e naquela guitarra supersônica distorcida.

Ao longo da sua carreira, iria criar uma mistura pesada de sons como punk, rock psicodélico, gótico, heavy metal e glam. Vieram Cream, Iron Butterfly, Velvet Underground, Blue Cheer, The Sonics, MC5, New York Dolls, The Troggs, Black Sabbath, Motörhead, Dead Kennedys, Sonic Youth, Ramones, Bauhaus e vários outros, em LPs e CDs comprados nas lojas de discos de sua cidade e por onde viajava. “Foi uma época mágica na minha vida, ouvindo muita coisa fantástica com os meus amigos”, fala.

Jim não se contentou apenas em ouvir música. Queria fazer as suas próprias canções. Fez o pai comprar um violão, que conseguiu aprender com amigos, como Léo Punk, que lhe ensinou os acordes. O cantor lembra que havia revistas vendidas nas bancas de jornal que traziam cifras de músicas para serem tocadas, porém ele não gostava de nenhum artista que aparecia nessas publicações.

O próximo passo foi conseguir uma guitarra elétrica. A primeira que teve, uma laranja lembrando vagamente uma Fender Stratocaster, era de uma fábrica obscura, porém dava pra tirar um som legal, bem pesado e ruidoso.

Com uma dúzia de canções escritas, decidiu montar a própria banda, The Stupid, que fazia referência ao disco The Idiot, do ídolo Iggy Pop. O grupo tinha Jim Benzina no vocal e guitarra, Léo Punk na guitarra, João Grandão na bateria e Zé Bigorna no baixo. Em pouco tempo, estavam tocando no circuito de bares locais, misturando essas músicas do vocalista a covers de bandas como Stooges, Sabbath e Iron Butterfly.

Até então o vocalista se chamava apenas Jim. Aí os ensaios começaram a ser regados com aditivos, como cachaça barata, cigarros, vez ou outra um baseado. Ganhou o apelido de Jim Benzina no dia em que alguém chegou com uma lata dessa substância Depois de cheirar o líquido ficou tão maluco que começou a falar um monte de frases loucas do tipo “Morrer é um atraso de vida”. Não usou muito mais aquele treco só que a substância acabou incorporada ao nome artístico, que se tornou Jim Benzina. E ele gostou disso. “Soa bem”, falava, sem se preocupar com o que os outros pensariam a respeito.

O Stupid durou dois anos e acabou porque dois deles tiveram de ir para a faculdade. Jim Benzina e Léo Punk, os remanescentes, criaram o Crow, junto a mais dois malucos. Faziam um som gótico, com letras inspiradas em filmes de terror, com títulos engraçados como Willie the Werewolf, Midnight Vampires e Lucille the Ghost.

Desde os 28 anos, Jim Benzina está em carreira solo. Nessa década de atividades individuais, lançou três álbuns: Jim Benzina, The Songs of Benzina e Benzitrate. “Para mim tudo soa muito natural. Ser selvagem é natural. Não tenho a pretensão de planejar nada”, desabafa.

Mesmo pouco conhecido, Jim Benzina já fez turnês pelo país e até no exterior. Consegue viver dos shows e das vendas de camisetas e discos. No momento, compõe a trilha sonora de um filme de terror chamado A Casa dos Espíritos Atormentados. “Isso será um barato porque eu adoro filmes de terror. Quem acompanha minha carreira desde o início sabe o quanto já escrevi canções nessa onda”, conta.

Quando perguntado sobre os aditivos que o acompanharam, Jim dá a entender que pisou no freio. “Cara, hoje estou mais numa de tomar umas latinhas de cerveja. Não consegui parar de fumar. Mas fico relax. O importante é estar sempre na ativa, compondo, criando, cantando. Me aguardem, pois ainda vai ter muita Benzina nas suas vidas”, diz, sempre com sarcasmo no rosto.

 

John Babaovo

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Texto e desenho: Marcelo Araújo

Um conto inédito, o segundo que escrevo neste ano de 2017 e o primeiro que publico. Chama-se John Babaovo e estará em um livro a ser lançado.

Ele tem barba branca imensa, maior que a do Papai Noel. Usa camisas de manga comprida, suspensório, calça de algodão, botas e chapéu. Ninguém sabe sua idade, mas parece velho. Diz uma lenda que anda pela floresta há séculos. Meu bisavô já falava dele. Pode ser um bruxo, um fantasma, um espírito da floresta ou talvez um homem comum que se transformou em algo diferente.

Ele se chama John Babaovo. Por que o sobrenome Babaovo? Ninguém sabe. Talvez tenha a ver com o fato de que goste de comer e lamber ovos, comentam. Ou pode ter relação com alguma palavra de origem estranha cuja sonoridade se assemelhe a baba-ovo, como Babauvu. Hipóteses.

John Babaovo vaga pelo meio do mato. É protetor dos bichos da floresta, conversa com eles e os defende dos caçadores. Falam que quando o caçador entra na mata com sua espingarda, o velho dá gritos semelhantes aos de pássaros, que avisam os animais do perigo. Quando alguém vai à floresta com a intenção de pegar os animais ou fazer outra coisa errada, John Babaovo aparece e avisa:

– Vá embora, vagabundo! Esse lugar é amaldiçoado.

Reza ainda a lenda que entidades do além vagueiam por ali. Fazem os viajantes se perderem para matá-los. Muitos andaram por aqueles caminhos e depois nunca mais foram vistos. John Babaovo conhece bem essas entidades.

Babaovo mora dentro de uma árvore gigante e velha. Quando dá cinco da tarde, duendes barbudos e outros amigos encantados visitam John para tomar um delicioso chá, com direito a pães, bolos, biscoitos, tortas, chá, café e chocolate quente. A refeição é servida enquanto a turma escuta Jethro Tull e Iron Butterfly, vejam vocês. Nosso velhinho gosta de rock. Se passar ali por perto e escutar In-a-gadda-da-vidda soando pelo mato significa que está rolando o chá de Babaovo.

Também se diz que o velhinho eventualmente aparece andando com um saco nas costas. Lá virão mais comparações com Papai Noel. Alguns falam que é lixo que as pessoas jogaram no chão que ele cata. Outros comentam que o velho carrega ouro e pedras preciosas.

Quanto a essa história de tesouros, escutem essa. Certa vez, três ladrões tentaram roubar o saco de Babaovo. Ameaçaram o velho com facas e bateram bastante nele, a ponto de deixá-lo caído no chão. Contam que quando abriram o saco viram os tais tesouros. Seus olhos brilharam.

– Tchau, velho otário. Obrigado pelo presente – disse um dos bandidos, com ironia.

– Não vai precisar mesmo. Pra que ia querer tudo isso, no meio do mato? – debochou outro.

– Estamos ricos agora. Vamos – falou o terceiro.

– Vão se arrepender pela ganância, vagabundos! Essa riqueza vai ser a sua desgraça – alertou John Babaovo.

Os três ladrões fugiram pelo mato, rindo. Tinham deixado o carro parado perto dali. Certa vez, ouviram falar que na floresta tinha um velho que andava com um saco cheio de tesouros. Decidiram ir até lá para roubá-lo.

Era fim de tarde e eles esperavam chegar logo até o veículo. Na vinda, levaram apenas vinte minutos para encontrar a clareira onde falavam que o velho Babaovo aparecia com frequência.

Andaram quase uma hora e nada de verem o automóvel. Começaram a ficar preocupados, achando que tinham se perdido. Já estava escuro.

– Não se preocupem. Passamos a noite aqui e amanhã cedo, quando estiver claro, a gente vai atrás do carro. O importante é que temos isso. O ladrão que acabara de falar abriu o saco e então deu um grito de dor que assustou os outros dois. Uma pequena cobra pulou para fora do saco e saiu rastejando pelo chão, sumindo para dentro de uma moita.

– Minha mão está ardendo – gritou o ladrão desesperado.

Foi então que ele começou a se sentir tonto e a dizer que não conseguia respirar. Em instantes, caiu no chão. Quando foram ver estava morto.

Os dois olharam para o chão e viram o saco. Hesitaram antes de pegar, com medo que houvesse mais alguma outra cobra dentro. Um deles pisou o saco e depois o pegou com a mão, sob os olhos atentos do comparsa.

– Só tem as joias.

– Velho traiçoeiro.

Ambos olharam para o companheiro, morto no chão.

– E agora?

– Vamos.

O outro ladrão acabou ficando desconfiado do colega segurando as joias sozinho.

“Somos só nós dois. E se esse canalha resolver me trair e roubar tudo?”, pensou.

Foi então que esse bandido teve uma ideia. Antes eram três para dividir o tesouro; agora só dois. Poderia ser um só. Por que não? Antes que o outro tentasse lhe passar a perna daria um jeito de ficar com tudo. E seria já.

O ladrão que estava na frente sentiu uma dor na cabeça, antes de perder os sentidos e cair no chão. Seu parceiro o atingiu com uma pedra enorme, que fez sua cabeça sangrar. Mesmo caída no chão, a vítima ainda levou diversa batidas com a pedra, até que seu crânio fosse esmigalhado.

O ladrão sobrevivente pegou o saco e o abriu. Com a luz do celular viu as pedras que estavam lá dentro.

– Estou rico! – gritou, com a voz ecoando no silêncio da floresta.

Saiu caminhando sem rumo, rindo sozinho.

“Amanhã, quando voltar para a cidade vou fazer a festa”, imaginou.

Porém, algo o fez parar. Teve a impressão de ter ouvido passos vindo atrás dele. Parou, respirou fundo e ficou em silêncio. Os passos prosseguiram, ficando cada vez mais próximos. Pensou na hipótese de que poderia ser alguém tentando roubar o tesouro. Com uma mão segurou o saco e com a outra puxou uma faca presa ao cinto. Foi então que começou a correr no meio do mato. Mesmo com a arma, decidiu fugir já que não sabia se havia somente uma pessoa atrás dele ou mais gente.

Foi aí que começaram gritos no meio do mato, que não conseguiu distinguir se eram de seres humanos ou de bichos. Os barulhos vinham de várias direções. Aquilo fez o ladrão sentir medo. Em seguida, ouviu uma voz que lhe chamou a atenção.

– Devolva o tesouro, vagabundo.

“O velho”, identificou.

– Venha pegar! – respondeu.

– Estou indo – disse a voz, que ecoou longe.

– Agora eu vou te matar, velho burro.

“Se for mesmo o velho, vou rasgar ele todo”, pensou o ladrão disposto a não entregar o saco.

– Estou chegando, vagabundo.

O ladrão percebeu que a voz chegava bem perto. Olhou para trás e viu que tinha um arbusto. Ia se esconder ali para pegar o velho de surpresa.

No entanto, surpresa mesmo quem teve foi o ladrão. Ao pular para trás do arbusto sentiu que não havia chão. O saco ficou preso à planta, mas o homem caiu num precipício, a centenas de metros, dando um grito final de desespero.

John Babaovo pegou o saco preso no arbusto. Abriu e olhou para dentro, vendo que as joias permaneciam lá.

– Isso é o que acontece com ladrões imundos que querem roubar o que não pertence a eles. Adeus, vagabundos.

O velho saiu caminhando pelo mato com o saco, sem olhar para trás. Então já sabem. Se forem àquela floresta, não mexam com John Babaovo. Ele tem os poderes da natureza ao seu lado. Os que tentarem lhe fazer mal irão sofrer as consequências.