O taxista, ao ouvir falar do lugar para onde iria, já avisou que seria caro.
– Paciência! Isso é muito longe.
– Não tem importância. Vou visitar meu irmão.
– Você quem sabe, chefe. Vamos nessa.
Durante a viagem, foi vendo os bairros passarem ao longo da Zona Norte, rumo ao Subúrbio, enquanto ouvia o motorista fazer piadas com o nome do longínquo bairro.
– Realmente o sujeito tem que ter muita paciência pra viver num lugar desses.
Contou o tempo: uma hora e meia. Mais longo esse percurso do que a viagem de avião que fizera até o Rio de Janeiro.
O táxi entrou por uma estrada de barro rumo ao destino final, a casa de Cássio. Precisaram parar várias vezes e perguntar aos moradores até chegarem à rua. A casa do irmão, conforme lhe fora informado, era a última no fim da rua. Um grupo de jovens sentados fumava algo que presumiu ser crack. Quando o carro passou por eles, olharam com expressões nada amigáveis.
– Isso aqui onde seu irmão mora é barra pesada.
Pararam em frente à casa. O taxista olhou pra ele e anunciou o preço salgado da corrida. Meteu a mão no paletó, tirou a carteira e deu as notas ao homem.
– Não vou esperar. Não tem a menor possibilidade de ficar aqui. É perigoso.
– Tudo bem. Eu me viro pra voltar.
O motorista tirou um cartão do bolso da calça e entregou ao rapaz.
– Tem meu celular. Se me ligar, tento voltar, ou vejo se vai ter algum colega por perto que possa te apanhar.
– Obrigado.
Desceu do táxi. A casa pequenina parecia em ruínas. Gritou o nome do irmão, enquanto o carro rapidamente manobrava para virar e partir.
Cássio apareceu. Estava sem camisa, apenas com uma bermuda jeans e um chinelo Havaianas.
– E aí, irmão. Como é que você tá? – perguntou Cássio.
Há anos que não o via. Achou Cássio muito magro. O dono da casa abriu um pequeno portão de ferro e abraçou o visitante.
– Bem vindo. Vamos entrando.
Seguiu o irmão para dentro. Entraram por uma porta.
Por dentro, tudo muito simples. Havia uma mesa velha de madeira no que seria a cozinha, com um monte de louça suja na pia.
– Não vai estranhar a pobreza.
– Claro que não. Até parece que reparo nisso.
Mas reparou. Na parede, havia um velho poster de jornal do Flamengo. Reconheceu Zico agachado em meio aos outros jogadores. O irmão pediu que se sentasse à mesa.
– Aceita um café?
Respondeu que sim. O irmão botou uma panela no fogo com água. Tirou da bermuda uma carteira de Derby e acendeu um cigarro. Cássio estava com os cabelos black power totalmente brancos. Nem era tão velho, mas aparentava mais de sessenta, com o rosto cheio de rugas.
– E mãe, como tá?
– Tá bem – respondeu o jovem.
– Legal. Cara, tô feliz demais de você estar aqui.
– Eu também – disse, tentando sorrir. O ambiente de extrema pobreza na verdade o intimidava, causando tristeza.
Cássio pegou um pote marrom de plástico, do qual tirou duas colheres de café, que jogou na panela. Enquanto tragava o cigarro, esperava o café ficar pronto. Pegou dois copos de vidro e os lavou. Jogou o cigarro na pia e apagou o fogo. Pegou a panela e encheu os copos. Deu um para a visita e pegou o outro para si.
– Tô pobre, irmão. Mas ainda tenho um dinheirinho pra comprar o café.
O rapaz deu um gole. Estava bom, porém não conseguia engolir. Seu coração palpitava. Cássio falava um monte de coisas, entretanto, não prestava atenção. Seu pensamento ia longe.
Lembrou que o irmão, desde cedo um talento, virou um músico de soul brasileiro. Veio a imagem dele cantando nos programas de TV. Suas músicas fizeram tanto sucesso no rádio. Era para estar rico. E ali estava, na miséria. Dizem que cheirou demais e isso acabou com seu trabalho. Muito pó. Torrou toda a grana e pirou. Faltava aos shows. Não demorou muito para levar um pé na bunda do empresário.
Na última vez que se falaram, dizia que estava retomando, que um produtor de Sampa tinha se interessado pelos seus discos antigos, que iria relançar sua carreira, que sairia de Paciência e voltaria a morar em Copacabana, num apê tipo aquele antigo, na Rainha Elizabeth, pertinho da praia.
Sabia que nada disso aconteceria. Só queria que o irmão fosse embora com ele, de volta para casa, para perto dos pais. Cássio falava e as lágrimas caíam dos olhos do jovem irmão.
Lá pelas tantas, não se conteve. Levantou-se e foi até Cássio, que o encarou espantado.
Não conseguiu fazer mais nada. Apenas abraçou o irmão, com força. Soluçava, enquanto sua face se enchia de lágrimas. Não dizia nada, apenas chorava muito, com uma imensa dor no coração.
– O que foi meu irmão? O que tá acontecendo com você? – perguntou Cássio. A vítima da tragédia parecia se transformar no consolador daquele que, tão forte, com uma missão importante, desabou diante da fragilidade do irmão.
– Me desculpe – falou o rapaz.
– Por quê?
O rapaz não respondeu. Permaneceu em seu choro descontrolado.